Para escolha da fundação mais adequada para cada situação, além de se conhecer os esforços atuantes sobre a edificação e as características técnico/geométricas dos elementos estruturais, é preciso estudar as particularidades do solo sobre o qual a obra será executada. Em determinados casos, esta avaliação se resume em simples sondagens de reconhecimento, porém, dependendo do porte da edificação e/ou da qualidade das informações obtidas, se são ou não suficientes, outros tipos de investigação devem ser realizados.
Dentre as informações que usualmente são levantadas durante o estudo do solo, estão o número de pontos de sondagem, seu posicionamento no terreno levando-se em consideração a posição relativa do empreendimento a ser construído, a profundidade a ser atingida, os tipos de solo e a profundidade de interesse do projeto. Para tais questões recomenda-se a leitura de artigo anterior “Furos de Sondagem: Quantidade e Posicionamento”.
O sucesso de um projeto de fundações depende de diversos fatores técnico/científicos somados a expertise do projetista, uma vez que boa parte das informações que chegam até ele dependem de análises de circunstâncias que podem transcender os aspectos meramente técnicos. Dentre estas informações, pode-se destacar que as informações referentes as investigações geotécnicas constituem hoje o principal referencial técnico em que se baseia todo o projeto das fundações do empreendimento, desde a escolha do tipo mais adequado até o seu correto dimensionamento.
Com base nisto pode-se visualizar diretamente, o alto grau de importância que as sondagens geotécnicas apresentam dentro do contexto da solução de infraestrutura a ser adotada. Devido a esta relevância, outro aspecto a ser salientado se dá no tocante as patologias mais frequentemente apresentadas e a sua relação com a realização incorreta das sondagens ou simplesmente a sua não realização.
Figura 1 – Prédios “tortos” em Santos – SP. Comparativo entre os dias atuais e a época da construção,1970. Fonte: João Farias.
As patologias das fundações geram desde frequentes fissuras e rachaduras até danos mais severos podendo culminar inclusive com o colapso total da edificação. Para MILITISKY et al. (2005), dentre as etapas do empreendimento, correlacionadas com a infraestrutura, que normalmente podem vir a ser fonte das patologias podem-se destacar:
- Caracterização do comportamento do solo e investigação.
- Análise e projeto das fundações.
- Execução das fundações.
- Eventos pós-conclusão das fundações.
- Degradação dos materiais constituintes das fundações.
Ainda segundo MILITISKY,
“Aspectos relacionados com a investigação das características do subsolo são as causas mais freqüentes de problemas de fundações. Estatística francesa (Logeais, 1982) mostra que em dois mil casos estudados naquele país, cerca de 80% dos problemas foram decorrentes do desconhecimento das características do solo. Patologias decorrentes de incertezas quanto às condições do subsolo podem ser resultado da simples ausência de investigação, de uma investigação ineficiente, de uma investigação com falhas ou ainda da má interpretação dos resultados das sondagens.”
Ainda segundo o autor, a investigação do subsolo para obras correntes no Brasil é sinônimo de execução de sondagens de simples reconhecimento. Os profissionais encarregados da etapa de “caracterização de comportamento” em geral não são especialistas em fundações, muitas vezes não são engenheiros e não acompanham o desenvolvimento de todos os eventos que dão origem às fundações construídas. Outro problema destacado, mostra que grandes contratantes (DNIT, PETROBRÁS etc…) fornecem, solicitam ou exigem apenas sondagens de simples reconhecimento nos projetos.
A ausência de investigação do subsolo é outro problema recorrente, principalmente em obras de pequeno porte, no entanto observa-se também esta prática em obras de médio porte, principalmente por motivos econômicos. Os responsáveis pelo empreendimento em geral não correlacionam nesta análise o custo inerente ao risco da não realização dos estudos de sondagem e/ou o risco de se obter um sub ou superdimensionamento das fundações do edifício. Para MILITISKY et al. (2005), “a ausência de investigação de subsolo é prática inaceitável”. A normalização vigente (ABNT NBR 6122/2010; ABNT NBR 8036/1983) e o bom senso devem nortear o tipo de programa de investigação, número mínimo de furos de sondagem e profundidade de exploração. Problemas típicos decorrentes de ausência de investigação para os diferentes tipos de fundação são apresentados na Tabela abaixo:
Tipo de fundação | Problemas típicos decorrentes |
---|---|
Fundações diretas | Tensões de contato excessivas, incompatíveis com as reais características do solo, resultando em recalques inadmissíveis ou ruptura. |
Fundações diretas | Fundações em solos/aterros heterogêneos, provocando recalques diferenciais. |
Fundações diretas | Fundações sobre solos compressíveis sem estudos de recalques, resultando grandes deformações. |
Fundações diretas | Fundações apoiadas em materiais de comportamento muito diferente, sem junta, ocasionando o aparecimento de recalques diferenciais. |
Fundações diretas | Fundações apoiadas em crosta dura sobre solos moles, sem análise de recalques, ocasionando a ruptura ou grandes deslocamentos da fundação. |
Fundações profundas | Estacas de tipo inadequado ao subsolo, resultando mau comportamento. |
Fundações profundas | Geometria inadequada, comprimento ou diâmetros inferiores aos necessários. |
Fundações profundas | Estacas apoiadas em camadas resistentes sobre solos moles, com recalques incompatíveis com a obra. |
Fundações profundas | Ocorrência de atrito negativo não previsto, reduzindo a carga admissível nominal adotada para a estaca. |
Outro aspecto a ser salientado com relação a caracterização do comportamento do solo e investigação, é a investigação insuficiente, caracterizada principalmente devido ao número insuficiente de sondagens, a profundidade de investigação insuficiente, a não determinação de propriedades e comportamento do solo ou em situações com grande variação de propriedades geotécnicas.
Em grandes áreas é comum a existência de extratos de subsolo variado, cobrindo diferentes unidades geotécnicas, o que geralmente pode causar problemas pela extrapolação indevida de informações obtidas nas sondagens. Para estes casos é importante seguir as prescrições normativas no tocante ao posicionamento e quantidade mínima de furos (vide artigo anterior – “Furos de Sondagem: Quantidade e Posicionamento”). Falhas devido a profundidade de investigação insuficiente, comumente não caracterizam camadas de comportamento distinto, em geral de pior desempenho, que também serão solicitadas pelo carregamento (vide figura 2).
Figura 2 – Falhas na sondagem, número de furos/profundidade insuficiente.
Fonte: MILITISKY et al. (2005).
Outro problema decorre das propriedades de comportamento não determinadas ou incorretamente determinadas por necessitarem de ensaios especiais tais como compressibilidade, expansibilidade, colapsibilidade etc… Situações com grande variação de propriedades ou ocorrência localizada de anomalia ou situação não identificada, como por exemplo a presença de blocos de rochas ou matacões (vide figura 3).
Figura 3 – Falhas na sondagem, interpretação errada do perfil geotécnico.
Fonte: Revista Equipe da Obra.
Um problema patológico de fundações em maciços rochosos é a presença de um bloco de rocha em uma região de predominância de maciço terroso. Durante a sondagem à percussão, em um dos resultados, poderá apresentar a formação de um perfil com camadas de solos e blocos de rochas. Quando um matacão for encontrado, deve-se proceder aos passos citados pela NBR 8036/1983, que aconselha: na presença de um bloco rochoso deve-se afastar o equipamento de sondagem 1 (um) metro de distância daquele ponto e refazer o ensaio, para verificar se o elemento encontrado é um simples matacão ou bloco de rocha, ou se existe uma camada de rocha no local (vide artigo anterior – “Identificando matacões por meio do SPT”)
As falhas na execução da investigação geotécnica também são comumente responsáveis por influenciar em parte nas patologias apresentadas nas fundações, para MILITISKY et al. (2005), durante o processo de investigação poderão ocorrer problemas que comprometem os resultados obtidos e utilizados em projeto. Na realização de sondagem são relativamente comuns as seguintes falhas:
- Erro na localização do local da obra (ensaio feito em local diferente).
- Localização dos furos incompleta.
- Adoção de procedimentos indevidos ou ensaio não padronizado.
- Uso de equipamento com defeito ou fora da especificação.
- Falta de nivelamento dos furos em relação à referência bem identificada e permanente.
- Descrição equivocada do tipo de solo.
- Procedimentos fraudulentos de geração de resultados ou multiplicação de furos de sondagem (apresentação de relatórios de serviços não realizados).
Visto este cenário, pode-se concluir que as investigações geotécnicas, desde as mais simples até as mais complexas, exercem papel fundamental para o sucesso de um projeto de fundações, sua correta definição e dimensionamento e consequentemente, a obtenção de custos compatíveis com o porte da obra. MILITISKY (2015) enumera uma série de boas práticas recomendadas e desafios para melhoria.
BOAS PRÁTICAS RECOMENDADAS:
- O planejamento de um programa de investigação deve ser concebido por um engenheiro e/ou profissional geotécnico experiente que possa conjugar os custos à complexidade ou dificuldades do projeto.
- A conjugação de diferentes métodos e ensaios de campo e laboratório, usados de forma racional, conjugados com experiência prévia com o material constituem prática adequada e segura.
- Ensaios realizados por técnicos, usando equipamentos calibrados e procedimentos normalizados.
DESAFIOS PARA MELHORIA:
- Entendimentos de todos os envolvidos na área que a sondagem de simples reconhecimento se constitui num ensaio, deve ser executado por técnicos treinados, com equipamento padrão e calibrado.
- Formação de técnicos para realização de ensaio de SPT.
- Calibração dos equipamentos SPT.
- Planejamento de verdadeiro programa de investigação anterior ao inicio dos projetos.
- Disseminação da cultura de realização de ensaios especiais.
Eng. Dário Furtado
Engenheiro Civil UFJF
Analista de Sistemas CES/JF
M.Sc. Engenharia COPPE/UFRJ
Referências:
AECWEB/e-CONSTRUMARKET. Sondagem de solo ajuda a evitar problemas de fundação, Redação AECweb/e-Construmarket, São Paulo, 2009.
EQUIPE DA OBRA. Fundação mal projetada é “raiz” de problemas, Redação Equipe da Obra, São Paulo, 20011.
CARVALHO, D. M. Patologias das Fundações: Fundações em Depósitos de Vertente na Cidade de Machico. Universidade da Madeira, Ilha da Madeira, Portugal, 2010.
MILITITSKY, J.; DIAS, R. D. Shallow foundations in lateritic soils. In: VIII CONGRESSO INTERNACIONAL DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA, Buenos Aires, 1986.
MILITITSKY, J. Patologia das fundações. In: SIMPÓSIO DE PATOLOGIA DAS EDIFICAÇÕES: PREVENÇÃO E RECUPERAÇÃO, Porto Alegre: CPGEC/UFRGS, 1989.
MILITISKY, J. CONSOLI, C. N. SCHNAID, F. Patologia das Fundações. Edição 01 São Paulo-SP. Oficina de Textos. 2005.
MILITITSKY, J. 2º Congresso Internacional de Fundações Profundas da Bolívia. Santa Cruz, Bolívia, 2015.
NBR 8036:1983 – Programação de sondagens de simples reconhecimento dos solos para fundações de edifícios, ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas.
PERLOFF, W.H. Pressure distribution and settlement. In: WINTERKORN, H.F.; FANG, H.Y. Foundation engineering handbook. New York: Van Nostrand Reinhold, 1975.